i+Diseño SUMARIO - VOL.14 - AÑO XI- ABRIL 2019
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i+Diseño | Vol. 14 | Abril | Año XI

O Design(er) vai à Escola - práticas inclusivas em investigação e projeto
de Design

Lígia Lopes1
Faculdade de Engenharia. Universidade do Porto


Resumo:

O Design sempre esteve próximo, instigou ou foi condicionado pela política quer nas suas manifestações pela liberdade de expressão, ou porque os objetos transportam em si mensagens e significados ou até pela forma como o Design interpela a sociedade e as comunidades, assumindo-se também ele interveniente nas transformações sociais. A investigação em Design, também se tem aproximado dos contextos reais, encurtando a distância entre a Academia e as pessoas, as gentes e o território onde esta pertence.

Neste sentido, este artigo pretende apresentar um plano de intervenção estratégica por via do Design enquanto mediador e facilitador no desenho de projetos e propostas orientadas para um bem comum e mais equitativo em ambiente escolar.

Parole chiave: Criança; CoDesign, Design Inclusivo; Participação; Identidade.

Design (er) goes to school - inclusive practices in research and design project

Abstract:

Design has always been close, instigated or conditioned by politics either in its manifestations for freedom of expression, or because objects carry messages and meanings in them or even by the way that Design challenges society and communities, assuming it too. intervening in social change. Design research has also approached real contexts, shortening the distance between the Academy and the people, people and territory where it belongs.

In this sense, this article intends to present a strategic intervention plan through Design as a mediator and facilitator in the design of projects and proposals oriented towards a common and more equitable good in the school environment.

Keywords: Child; CoDesign, Inclusive Design; Participation; Identity.




Introdução

Nas últimas décadas, têm sido desenhadas novas terminologias que tentam afastar o estigma associado à forma como construímos as palavras que por definição colocam pessoas ou grupos à margem, porém o estigma surge maioritariamente pela forma como as usamos, pelo modo verbalizado ou como são transformadas em expressões físicas. Esta transformação também tem sido aplicada ao desenho dos objetos, dos serviços e dos espaços que constantemente tendem a excluir os utilizadores que pela sua “diversidade” são inibidos de uma utilização espontânea, expondo-os à necessidade das adaptações, dos planos B. Simultaneamente a este mundo que responde aos propósitos mais comerciais, existem tentativas individuais ou coletivas, de organizações formais ou informais que pela via do Design têm procurado o confronto com a necessidade de alargar o seu espectro de utilizadores, pretendendo responder ao equilíbrio entre a estética, a funcionalidade e o processo, mostrando-se simultaneamente preocupados com o envolvimento e contributos de elementos externos à equipa de projeto. É sobretudo sobre o valor do processo em projeto de design que este artigo pretende mostrar uma proposta de desenho de um Modelo em aberto que poderá servir como base de trabalho para novos formatos de aproximação do Design enquanto instrumento de interação entre pessoas (individuais) e comunidade.

Most people who care about child development know nothing about design, and most people who design know nothing about child development 2. (Hart, apud Shell, 1994, p.81)

Para explorarmos a potencialidade do Design como uma mais valia dentro de uma estrutura escolar é necessário entender os seus atores, a sua estrutura decisora e sobretudo emergir na definição de Escola Inclusiva (EI).

Os sistemas educacionais não têm sido capazes de responder à diversidade ainda que o conceito de inclusão esteja a ser irrefletidamente usado. O Design, enquanto ferramenta de ação, também tem tentado responder à diversidade, ganhando expressão quer pelo uso da tecnologia, quer pelo desenho de estratégias mais analógicas mas não menos eficazes.

Os princípios de uma EI promovem e estimulam o respeito pela diversidade e reforçam a necessidade para que todas as vozes dentro da escola sejam ouvidas e atendidas (César & Oliveira, 2005) e “a inclusão escolar só tem sentido pensando no ser social, no papel do homem integrado na sociedade, participante” (de Souza, 2002, p. 10). Nesse sentido, o projeto em design implica atender às expectativas e necessidades, obriga a projetar para um ‘tempo’ que nós já teremos dificuldade em compreender tal como Munari refere:

“Seria necessário exercitar e habituar os adultos a compreenderem as crianças. (...) Até certa altura os adultos deviam ensinar as crianças, depois deviam aprender com elas a conhecer o mundo” (2008, p.255).

Nesta investigação, pretendeu-se procurar dimensões de cooperação entre o Designer e a Escola e perceber a viabilidade desta relação através da aplicação de metodologias participativas e de cocriação com o objetivo de estudar formas de intervenção e de procedimentos socialmente construtivos que originassem ações de interação envolvendo grupos socialmente excluídos. Estes aspetos conduziram a objetivos mais específicos, tais como, o de identificar condicionalismos gerados pelos factores económicos, sociais e culturais da comunidade e gestão escolar; e, perceber de que forma o design pode funcionar como uma ferramenta que auxilia a construção identitária e social da criança (Goffman 1988; Pinto, 1995; Miranda & Filho, 2012; Machado, 2003) nesse contexto.

Assumimo-nos aqui intervenientes para uma política educativa e social, encorajando a mudança e transformação cultural, social e política (Fuad-Luke, 2013; de Souza, 2002) procurando o valor identitário da comunidade escolar realçando o valor simbólico, humano e social das produções decorrentes como contributo para uma mudança de paradigma.

Partiu-se do princípio que a atividade projetual em Design deve apoiar-se na possibilidade de conceber e produzir produtos, serviços e ambientes adequados para a diversidade humana, incluindo crianças, adultos, adultos mais velhos, pessoas com deficiência, ou simplesmente, pessoas colocadas em desvantagem pelas circunstâncias. Esta abordagem é designada por Design Inclusivo que podemos definir,

(...) como o desenvolvimento de produtos e de ambientes, que permitam a utilização por pessoas de todas as capacidades. Tem como principal objetivo contribuir, através da construção do meio, para a não discriminação e inclusão social de todas as pessoas. (Simões & Bispo, 2006, p.8)

Esta investigação teve como foco a experiência das crianças no seu contexto escolar, mas sem negligenciar que no sistema organizacional educativo incluem-se professores, técnicos e auxiliares de educação, encarregados de educação, etc., que foram auscultados quer por via de entrevista ou por inquérito, o que nos permitiu comparar distintas visões de um mesmo lugar – uma visão de Escola. Considerando a metodologia adoptada, procuramos consultar profissionais de referência com experiência estratégica em Design e em desenvolvimento de trabalhos aplicados na prática.

Ora, o design surge neste contexto enquanto disciplina que procura fomentar o ativismo no domínio do “capital humano” (Fuad-Luke, 2013, p.18), assim como tenta promover o projeto de design que ultrapassa o desenho e responde às necessidades mais imediatas e visíveis do produto:

(...) os projetos de design devem, além de cumprir os requisitos de sustentabilidade, possibilitar a universalidade de seu uso, a inclusão social, a incorporação e o desenvolvimento da inovação e, além do atendimento de requisitos ergonómicos e de usabilidade, garantir satisfação de desejos, boa experiência de uso e construção de significação. O projeto de design passa a ser desenvolvido a partir do requisito referente ao modo que o seu resultado impacta o indivíduo, a sociedade, o meio ambiente. (Niemeyer, 2013, p.75)

Segundo Peças (1999, p.56) “reinventar a escola é pensá-la, sempre e cada vez mais, escola para todos. A escola, como a vida, conjuga-se sempre no plural, acrescenta-se no diverso e desafia-se no complexo” havendo uma necessidade de a relacionar com os seus sujeitos, nomeadamente pela sua diversidade. Concluindo, a EI “pressupõe uma escola centrada na comunidade, livre de barreiras (desde as arquitetónicas às curriculares), promotora de colaboração e de equidade” (Wilson, 2000 apud Rodrigues, 2006, pp.300-301) e que valoriza uma cultura identitária capaz de se ajustar ao coletivo.

Neste sentido, procurou-se colocar esta investigação no campo do projeto-ação que implica a participação e a construção de significados -o valor da relação estabelecida entre o “design e o seu contexto social” (Bonsiepe, 2013, p.62). Querer-se-á dizer que, tanto o projeto de design como o projeto pedagógico, estendem-se para além dos seus aspectos formais e funcionais, definindo-se simultaneamente pelo seu significado. Peças (1999, p.58) considera que“…um projeto pedagógico ou nos reconcilia com a escola, com a vida, com o estudo e com os outros ou não vale a pena” . Esta perspetiva caracteriza de algum modo a forma como pretendemos que o design(er) possa estar incluído no desenho de projetos pedagógicos por via de ações de intervenção criativa em escolas de primeiro ciclo- fomentando o encontro entre as pessoas, espaço e a identidade dessa comunidade.

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Fig. 1. Seleção de desenhos exploratórios de crianças que frequentam o 1º ciclo.

Um Projeto Experimental como ferramenta de comunicação

Durante o trabalho de campo e observação foi difícil explicar qual o potencial da participação do designer num contexto escolar. Como resposta, procurámos desenvolver ferramentas de comunicação que permitissem facilitar essa comunicação - “afinal o que faz o designer aqui? Como nos pode ajudar?”. Começamos por desenvolver o projeto experimental A TUA ESCOLA ÉS TU! criando uma ideia de pertença e envolvimento dessa comunidade e que se revelou essencial para a criação de instrumentos de comunicação entre os intervenientes. Essa abordagem permitiu igualmente consultar as crianças sobre a importância dos espaços, das atividades diárias e da forma de “estar e viver” na Escola, recorrendo a workshops de desenho enquanto forma de testemunho e autorrepresentação - Figura 1. As crianças incluem-se enquanto ‘design partners’ (Druin, 2002; Druin, 1999; Denny Ho, Lee & Cassim, 2009) onde reconhecem a sua representatividade, voz, ainda que essas expressões possam estar influenciadas pelo “filtro social” referido por Nicolaidou et al. (2006, p.256).

Procurou-se romper com a tipologia de objetos existentes nas escolas, não querendo depender a inovação da componente tecnológica (Fino, 2008) pretendendo demonstrar que a eficácia do objeto e transmissão de significados não depende dos recursos tecnológicos, reforçando a importância do processo como atribuidor de valor imaterial resultante da metodologia e do projeto participativo – sempre conscientes de que ações cocriativas estarão sujeitas a variações temporais, dependes das interações dos participantes. Consideramos cada participante como ‘perito’ e as ideias projetuais surgem da colaboração entre todos independentemente do grau do seu contributo (Sanoff, 2007; Hussain, Sanders & Steinert, 2012) – garantindo-lhes uma “participação democrática” (Sanoff, 2008, p.61). Trata-se de uma participação atuante que considera as opiniões dos utilizadores “em vez de serem tratados como consumidores passivos” (Sanoff, 2008, p.59). Deste modo, cumprimos o objetivo de trazer a componente social e de interação aos objetos contribuindo para que sejam “verdadeiramente úteis ao desenvolvimento da personalidade da criança” (Munari, 2008, p.244). Considerou-se ainda, que seria positivo produzir um conceito direcionando-o para os interesses dos seus utilizadores, assumindo a influência cognitiva do designer esclarecida por Manzini (1993, p.60),

Dá-se maior ênfase à consciência de que o designer condiciona o processo, mas também é condicionado pelo sistema em que opera. Além disso, torna-se claro que a forma do produto acabado é sempre, de algum modo, influenciada pelo processo cognitivo do designer, antes ou durante a sua atividade.

Assim, num processo de simplificação, resolveu-se criar para o Projeto Experimental no qual se procurou explorar uma ‘família de produtos’, objetos bidimensionais (Figura 2 e Figura 3), e tridimensionais (Figura 4), considerando “a coerência formal das partes e do todo” (Munari, 2008, p.144) assim como, um aumento de dimensionamento entre os vários objetos, “elementos homeormofos” (Munari, 2008, p.144). O uso de uma multiplicidade de suportes com escassos recursos pretende despoletar uma reação e interação que serviu posteriormente para análise e permitiu criar uma coleção de desenhos que se mesclam, e a partir destes, gerar aceitação, entendimento e contemplação pelo trabalho dos pares. Com estes suportes a comunicação ficou mais acessível, tornando os objetivos do projeto mais inteligíveis através de ideias produzidas.

Como sistematização do processo apresentamos uma proposta de Modelo que pretende servir como linha orientadora na aplicação de metodologias participativas e de cocriação enquanto método colaborativo para o qual sugerimos uma moderação realizada por uma equipa de design(ers) e pedagogos, implicando uma gestão de projeto em design e análise de recursos materiais e humanos. Trata-se de uma proposta que promove uma reflexão sobre participação ativa nas escolas, que respeita e envolve os intervenientes atendendo aos princípios que incluem a comunidade nesse reconhecimento identitário. Deste modo, o designer pretende cooperar na construção identitária organizacional da escola que se inicia na criação da identidade pessoal das crianças (Goffman, 1988; Pinto, 1991; Machado, 2003; Miranda & Filho, 2012).

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Fig. 2. Protótipo da coleção dos stickers “A TUA ESCOLA ÉS TU!”

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Fig. 3. Desenho de uma história recorrendo a formas pré-definidas. Alunos do 1º ciclo, Matosinhos.

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Fig. 4. Construções tridimensionais – uma Nave Espacial. Alunos do 1º ciclo, Vila Nova de Gaia.

Entende-se aqui o Design como instrumento que sugere às crianças uma aprendizagem do ‘Saber Ser’ (Figura 5) contribuindo para a sua identidade pessoal. Já o designer, neste processo, representa o componente que projeta o método e abordagem do ‘saber pensar’ projetual e também aquele que apoia na dimensão da concretização coletiva (Sanders & Stappers, 2014; Sanders, 2016) – o ‘saber fazer’.

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Fig. 5. "Saber Ser”. Desenho da autora.

O processo de aplicação do Modelo – Design, Práticas Participativas e Inclusivas em Escolas do 1º ciclo (Figura 6) – sugere uma sequência de “tarefas” que procura o reconhecimento da Identidade e competências da comunidade escolar, num processo que passa por nove fases – 1. Esclarecer a ação do Design(er) no projeto de intervenção; 2. (Re)Conhecimento; Caracterização da Escolas; 3. Cronograma e Calendarização; 4. Definição de Metodologia e Estratégia; 5. Conhecimento e Valorização das Competências da Comunidade; 6. Definição do Grupo de Trabalho e Objetivos, 7. Ante-Projeto / CoDesign; 8. Projeto; e, 9. Avaliação. No final destas nove fases pretende-se que a Escola produza Conhecimento que ocorre do próprio reconhecimento identitário gerado pela avaliação e conclusão de cada uma dessas etapas.

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Fig. 6. Desenho da proposta de Modelo.

Embora este desenho de Modelo tenha sido construído e desenhado no decurso desta investigação, deverá ser flexível e permitir adaptar-se a diferentes contextos (físicos, culturais e humanos) com capacidade para detetar novas e possíveis configurações de colaboração, possibilitando a sua evolução e redesenho tanto metodologicamente como na sua produção.

Numa investigação-ação realizada por César & Oliveira (2005) os autores argumentam que a participação se dá por apropriação de regras sociais que ajudam os participantes a moderar e a regular a aprendizagem pela comunidade e que o processo de aprendizagem se dá por “aprender é aprender a (inter)agir” (2005, p.31). Esta ação é de extrema pertinência para os autores no processo de aprendizagem pela ação dentro de uma comunidade escolar, concluindo:

For all this, an alternative curriculum that is designed as a mediator of inclusive practices and based on a socio-cultural approach may be a powerful tool in the transformation of knowledge, emotions, acting and attitudes 3..(César & Oliveira, 2005, p.40)

Carrington (1999), completa, sugerindo que para uma escola se tornar inclusiva, os órgãos gestores e administrativos terão que saber ponderar e reconhecer com delicadeza os valores das comunidades locais assim como os valores coletivos, assim como as competências do grupo escolar. A autora defende que se devem realizar workshops sobre educação inclusiva, com a presença de consultores externos. Nesses workshops, refere, devem ser criadas estratégias que providenciem o envolvimento da escola e da sua comunidade para a garantia do sucesso da ação. Não obstante, Carrington (1999), sabe que estas mudanças introduzem uma alteração das práticas tradicionalmente usadas tal como eventuais resistências à mudança.

Entendemos que os objetos e os espaços que proporcionem oportunidade e criatividade no seu uso poderão permitir uma interpretação definida pela particularidade de cada criança, deixando-a assumir-se como elemento transformador desse espaço.

Relativamente à participação da criança, Fleming (2013) divide-a em dois tipos: aquela em que a criança é vista como consultora externa e uma outra na qual a criança é incluída no processo (Faulkner, 2009 apud Fleming, 2013). É tão relevante que a criança seja consultora na definição de um programa como durante o projeto seja considerada um elemento decisor atribuindo-lhe empoderamento através da participação (Sanders, 2004) e convertendo-a em investigadora na perspetiva de Nicolaidou et al. (2006).

Mas será possível que as ferramentas de pesquisa usadas em design possam ajudar a criar uma identidade ‘escola’ resultante da participação? Para responder a isso, interessa perceber de que forma essa identidade social pode contribuir e/ou influenciar a participação, sabendo que é condicionada pela identidade social e que esta se estabelece por determinadas categorias, como o sexo, o estrato e classe social, as questões da deficiência, idade, etnia, etc. (Miranda & Filho, 2012; Pacheco, 2009). Para Díaz et al. (2009, p.83) essas diferenças entre grupos não se devem tornar numa “única identidade, mas ensejar um modo de interação entre eles, que destaque as peculiaridades de cada um”. Assim, as representações de grupo podem emergir, porque representam acontecimentos que foram vividos pelo próprio grupo.

No contexto escolar, Nóvoa (1992) divide as características organizacionais em três níveis: a ‘estrutura física’ que relaciona fatores como a dimensão da escola, número de alunos, organização física dos espaços, recursos técnicos e materiais; a ‘estrutura administrativa’, que se prende com a direção, órgãos de gestão, participação da comunidade externa, e com autoridades locais, etc.; por último, a ‘estrutura social’ da escola, sendo que esta última é determinada pelo relacionamento entre alunos, docentes e funcionários, e pela participação e envolvimento das famílias.

Deste modo, durante a investigação foram pesquisados meios para o design(er) contribuir para a consciencialização da existência de uma identidade ‘escola’ formada a partir de uma afinidade entre os níveis pessoal, social e organizacional – equacionado pelos fatores de envolvimento e participação. Consideramos este processo como dinâmico e no qual a criança se vai enquadrando dentro do seu grupo, da sua turma e/ou da sua escola e pertencente à comunidade. Segundo Machado (2003) o ato de “realizar e pertencer são condições para que os processos de identificação sejam desencadeados”, criando estímulos que soltam novas formas de realização que transformam o espaço organizacional num “importante palco para potenciação das existências” (p.65). Na escola, essa existência condiciona o desenvolvimento humano das crianças, quer pela sua socialização e interação com diferentes culturas, quer pela construção do conhecimento que advém dessa interação (Miranda & Filho, 2012). A cultura transporta em si “um estado de pertencimento a um conjunto de valores e práticas que oferecem sentido e identidade”, que nos faz pertencer ao espaço, a um determinado grupo e “nos faz pertencer a determinada matriz de referenciais simbólicos” (Barros, 2009, p.50).

No ato de brincar e jogar também podemos encontrar uma forma de construção de identidade, Bould e Bezerra (2011, s.p.) descrevem-no como uma experiência multissensorial que pode ser “ativa, passiva, solitária, independente, assistida, social, exploratória, educacional e imaginativa”. Os autores dividem os resultados em três efeitos distintos: os efeitos físicos, os efeitos cognitivos e os efeitos socioculturais que pretendemos que sejam potenciados através de ferramentas criativas e permitindo a sua constante metamorfose, pois um espaço para uma criança nunca se pode dar por terminado como aponta Shell (1994, p.78).

Contudo, no processo de desenvolvimento de um produto para um grupo tão específico de utilizadores é essencial a colaboração e análise de crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) permitindo-lhes uma participação crítica e analítica como enunciam Guha, Druin & Fails (2008, p.62):

Recently, many designers have included children with special needs in the process of designing technology for children with special needs. Using Druin’s levels of child involvement in the design process as users, testers, informants, or design partners, it is possible to create an overview of the ways in with children with special needs have been included in the design process. In order to design for children with special needs, we need to design with children with special needs 4.

Neste sentido, procuramos relacionar a necessidade de participação política, social e cultural da pessoa com deficiência (Fuad-Luke, 2013; de Souza, 2002) com a intervenção do designer ao assumir-se como facilitador. As crianças sem NEE acreditam que são diferentes das crianças com NEE mas não conseguem perceber a extensão dessa diferença (Vlachou, 1997 apud Nicolaidou et al., 2006). Contudo, as investigações, confirmam o que já havíamos detetado nesta investigação – as crianças sem NEE acolhem bem a ideia das suas turmas incluírem crianças com NEE (Nicoulaidou et al., 2006). Para as crianças sem NEE, as deficiências motoras são mais fáceis de entender do que as deficiências cognitivas porque associam esses défices à falta de inteligência. Para Warnock (apud, De Souza, 2002) a inclusão das crianças com deficiência na comunidade escolar pode distinguir-se do seguinte modo: funcional, social e locacional. Neste sentido, entendemos que “devemos refletir sobre a conquista da autonomia como objetivo maior da educação” (De Souza, 2002, p.13) no qual as crianças com deficiência também se incluem. Trata-se de educação que está intrinsecamente ligada às questões culturais, promove uma cultura inclusiva, assumindo-se também como uma postura política, e que tal como Barros (2009) afirma: “mais que subjetiva, a experiência da inclusão é política. Mais que direitos provisórios, a inclusão deve constituir um padrão cultural” (p.49).

Poder-se-á concluir que a EI será sempre condicionada pelo sistema político que a controla, pelo currículo e pelas políticas pedagógicas que delimitam a inclusão. A inclusão terá que passar por uma transformação cultural, para a qual a deficiência é apenas uma diferente caraterística de um ser humano igual.

Uma escola AMIGA é a que oferece oportunidades e respeita o ritmo de aprendizagem, as competências de cada criança e potencia o respeito pela diferença e singularidade no desenvolvimento individual na aprendizagem (Bordas & Zoboli, 2010). É uma escola que informa e se dá a conhecer, porque “o desconhecimento alimenta o preconceito” (Sampaio & Sampaio, 2010, p.76). A EI é, por isso, um desafio que tem ficado aquém das expectativas dos seus intervenientes e sempre condicionada pelos sistemas políticos que mudam a cada instante.

Contudo, segundo Heward “o facto dos alunos serem todos diferentes não implica que cada um tenha que aprender segundo uma metodologia diferente” explicando que essa visão de escola seria impossível de gerir. Não obstante, defende igualmente que isso não é condicionante para que não se proporcionem alternativas ao processo de aprendizagem. Caso contrário, estaremos a “criar desigualdade para muitos alunos” (Heward, 2003, apud Rodrigues, 2006, pp.304-305). Consideramos ser essa uma via para contribuir para o melhoramento do desempenho da escola enquanto criadora de oportunidades.

Deste modo, o design poderá colaborar no ‘desenho’ de novas interações nas escolas que contrariam os fatores sociais que têm vindo a excluir as crianças com deficiência, com diferença racial ou comportamental; contribuindo para uma escola social “onde todos têm oportunidades de ser e estar, de forma inteira e participativa” (De Souza, 2002, p.12)

Conclusões

Esta investigação, com um forte carácter prático e de investigação-ação, propôs-se investigar e diagnosticar possíveis contribuições do Design para o desenho e projetação de uma escola inclusiva, colocando os designers e as suas ferramentas enquanto potenciadores de criatividade e reconhecimento de uma identidade diferenciada e particular para cada contexto. Tal como refere Niemeyer (2013), julgamos que enquanto designers e investigadores podemos produzir valor e cultura pelo projeto, transpondo e traduzindo as ferramentas de trabalho e análise para um domínio de geração de valor, cultura e materialidade. Consideramos, por isso, o espaço escolar como gerador de valores e de memórias que se constroem da relação com o espaço, os objetos e as pessoas.

Pretendia-se demonstrar a competência dos designers para o desenho de projetos estratégicos de intervenção em escolas públicas, desencadeando ações que promovam interações humanas, projetando espaços e/ou objetos que representem os valores das comunidades com quem se propõem colaborar. Contudo, esta investigação obrigou a um esforço constante perante a necessidade de contacto com áreas de conhecimento que escapam ao domínio e experiência convencional de um designer. Foram delineadas ações de envolvimento de utilizadores finais e parceiros que resultaram em projetos conceptuais que representam mudanças na participação das pessoas com deficiência em equipas de projeto de design – nomeadamente a organização de workshops que não davam resposta concreta a esta investigação, mas que nos permitiram entrar no conteúdo lexical, comportamental e cultural de grupos socialmente excluídos e/ou marginalizados, criar um network em áreas afins e estabelecer contactos com instituições/associações.

Enquanto projeto, o seu desenho surge com a proposta do Modelo “Design - Práticas Participativas e Inclusivas em Escolas do Ensino Básico” que é o resultado da análise do Projeto Experimental resultante das experiências do grupo que colaborou neste ensaio e que teve por propósito a materialização de objetos que pudessem ilustrar conceitos em formato físico. Esta expressão, por via dos objetos e da sua concretização, simplificou a comunicação do projeto com pessoas externas à prática do Design e reflete as deliberações de um grupo, exibindo “uma história, um sentido de pertença, uma identidade (...) de sermos e nos fazermos” (Peças, 1999, p.59). Segundo Furrer & Skinner (2003, apud Carrington & Robinson, 2006) o sentimento de pertença desempenha um papel importante para a motivação pessoal e desempenho escolar.

Consideramos ter criado uma oportunidade de projeto - demonstrando que o design é uma ferramenta que favorece e dignifica a Escola, mas para que isso aconteça é necessário que esta esteja preparada e se reveja enquanto escola construtura de significados e reconheça o potencial da sua comunidade (Carrington, 1999).

Conclui-se, então, que a existência de uma diversidade de identidades afeta diretamente a validação do modelo, constituindo um emaranhado de vivências e de identidades organizacionais. Deste modo, consideramos, neste caso específico, que a validação só se poderá realizar quando o Modelo “Design - Práticas Participativas e Inclusivas em Escolas do Ensino Básico” estiver aplicado em diferentes contextos (físicos e sociais) e que demonstre um benefício efetivo para os implicados. Relativamente à avaliação, verificou-se nos estudos de caso uma grande dificuldade em avaliar projetos que se concretizam dentro de comunidades e instituições. Enquanto projeto participativo e inclusivo, a avaliação corre o risco de parecer sempre medida através de fatores pouco concretos e emocionais, baseados unicamente em conhecimento empírico. Esta circunstância não é nova para a investigação em design, na qual os fatores emocionais são igualmente considerados (Fuad-Luke, 2009) atribuindo “uma especial importância a emoções e sentimentos” (Tschimmel 2010, p.323) assumindo que a investigação em design não se baseia unicamente em fatos racionais dada a imprevisibilidade dos acontecimentos.

Esta investigação procurou cruzar as fronteiras do design, do projeto, do objeto. Foi desenhada de valores, de preocupações sociais, e com o intuito de mostrar que

a criança não é um adulto adiado, não é o cidadão em devir. A criança é aqui e agora, cidadã-sujeito-de-direitos, que participa por direito na construção da sua vida e da vida da sua comunidade” (Peças, 1999, p.57)


1 Lígia Lopes, CIAUD–Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design; Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

2 T.L.: “A maior parte das pessoas que se preocupa com o desenvolvimento das crianças não sabe nada de design e a maioria das pessoas que fazem design não sabe nada de desenvolvimento da criança.” (Hart, in Shell, 1994, p.81)

3 T.L.: “Por tudo isto, um currículo alternativo concebido como mediador de práticas inclusivas e baseado numa abordagem sociocultural poderá ser uma importante ferramenta na transformação do conhecimento, das emoções, da atuação e das atitudes.” (César e Oliveira, 2005, p.40)

4 T.L: “Recentemente, muitos designers têm incluído crianças com necessidades especiais no desenvolvimento de novas tecnologias para crianças com necessidades especiais. Usando os níveis de Druin para determinar o envolvimento da criança no processo de design como utilizadores, testadores, informadores, ou parceiros de design, é possível criar uma visão geral de que forma podem as crianças com necessidades especiais ser incluídas no processo de design. Para desenvolver algo para crianças com necessidades especiais, precisamos de trabalhar com crianças com necessidades especiais”

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