|

Ponte pedonal Pedro e Inês, Coimbra.
Design & Espaço Público: Programa Polis
Bartolomeu Paiva. Portugal1
Abstract:
The cultural size and scope of Design have been assuming significance in the context of world's cities through solutions that generate new features and new looks, rose by developments in science, art and technology - factors that have influenced social behavior and conducted the reformulation of urban experiences. The Polis Program, promoter of the rehabilitation of Portuguese cities, has contributed to strengthening the identity of places and lead to new uses and appropriations, stressing the importance of design in refoundation the patrimonial condition of public space..
Keywords: Design, Public Space, City, Society and Polis Programme
Design e espaço público
A dimensão e alcance cultural do Design no universo conceptual e concreto do espaço público tem adquirido um estatuto de particular relevância no contexto das cidades do mundo – trata-se de uma constatação que não ignora o tempo e a acção do homem no desenho da cidade plural, feita de espaços, objectos e pessoas, e cujo contributo essencial do desenho será tão antigo quanto a ancestralidade dos aglomerados urbanos.
Desse desígnio resultou a crescente complexidade das cidades e a alteração dos níveis de exigência social urbana, que induziram a novas soluções de Design que, gradualmente, foram povoando o espaço público, gerando novas funcionalidades e novas estéticas suscitadas pela evolução e influência da ciência, da arte e da técnica.
O reconhecimento do Design enquanto disciplina autónoma, capaz de se afirmar no seio das relações interdisciplinares, constitui contudo uma realidade relativamente recente que radica na afirmação de uma identidade e estatuto próprios, cuja pedagogia permitiu identificá-lo nos espaços e objectos que constituem o prolongamento dos nossos gestos – uma afirmação que o inscreve na complementaridade da matéria e das subjectividades da estética, legitimando-se assim a possibilidade múltipla da sua participação na reflexão sobre os seus contributos na realização do espaço público.
Concomitantemente, a dimensão pública do Design coloca-o mais próximo de processos de consciencialização e interiorização por parte do homem, suscitados pelas vivências geradoras de cultura, da qual emergem evidências da sua participação e influência no quotidiano dos indivíduos, remetendo para uma ideia de cenografia social da vida, tendo como pano de fundo os actos de uma sociedade formada e transformada para e pelos objectos numa cidade contemporânea que os reclama para se comunicar a si própria.

Parque Verde do Mondego, Coimbra.
Dedução que nos (re)conduz à cidade social e simbólica, e consequentemente, ao carácter identitário do espaço público - testemunha dinâmica da história e do património, que no fluir do tempo vem reinventando a sua imagem e a vem convertendo na sua própria marca - síntese pela qual a cidade se reconhece e possivelmente se afirma como direito à sua própria cultura.
A implicação do Design na realização do espaço público potencia por sua vez o (re)desenho de comportamentos, desencadeando formas alternativas de actuação cívica conducente à reformulação da vivência urbana – dedução que aponta para o acontecimento social materializado pelo uso e apropriação dos lugares, com reflexo subjectivo, porque diverso, sobre os processos de reaproximação social.
Inferências cuja matriz reconfigura o modo de vida daqueles que, demandando o espaço público, são (re)conduzidos a novas formas de estar e de ser, determinadas pela evolução dos tempos e das feições que as novas culturas urbanas determinam, produzindo ou reproduzindo comportamentos que desejavelmente deverão corresponder aos anseios e à qualificação da vida dos cidadãos. Componente que remete para a acção concreta dos cidadãos e que legitima a reflexão sobre a tríade objecto-contexto-utilizador - relação que sublinha a importância do objecto enquanto factor determinante na modelação qualificada de comportamentos sociais – uma perspectiva que reforça o papel pedagógico do Design, que, pretendendo estar para lá da dimensão física da coisa, transforma a coisa na substância imaterial dos actos dos seus utilizadores.

Praça da República, Viana do Castelo.

Centro de Interpretação Ambiental – Viana do Castelo.
A afirmação deste Design contribui para uma cidade que se comunica sob a forma de múltiplas linguagens – prosa e poesia, numa simultaneidade que surpreende e desafia quem a pretende entender no mais profundo dos seus intentos, porque complexas são as regras da sua grafia e da sua fala, do vocabulário que se completa nas palavras e nos actos daqueles que a inventando, lhe foram acrescentando significados que a sedimentação da história tornaram mais espessa, mais complexa.
Uma cidade receptiva ao uno e ao múltiplo, potenciadora de uma cultura firmada nos direitos e deveres dos cidadãos e por estes aceite, como garantia de uma sociedade urbana mais próxima das relações de civilidade que devem regular as suas interacções – não se trata apenas de ser física, exige-se que a cidade corresponda seguramente a um projecto social inscrito num território e cultura próprias, cuja "urbanidade emerge da confluência de múltiplos factores, às vezes imponderáveis, porém tão atraentes e fundamentais para a vida civilizada"2.
Uma cidade que assim se declara, promotora dos desígnios físico, social e simbólico dos seus contextos, é uma cidade que privilegia uma urbanidade fundamentada numa perspectiva integradora, qualificante e certamente protagonista da aceitação dos seus cidadãos que assim se revêem nela e a adoptam no quadro da materialidade e imaterialidade das suas vivências.
Há, como tal, necessidade de se promover a qualificação do espaço físico e de o converter em espaço de relação, como possibilidade de lhe conferir o estatuto de espaço público, longe da ideia de espaço anónimo, fora dos roteiros sociais e dos fenómenos de apropriação. O espaço público assim entendido, de relação e exigência sociais, deve refundar-se em projectos que lhe garantam um estatuto gerador de dinâmicas institucionais, públicas e privadas, que apontem para a instauração de um património democrático aberto às manifestações de cidadania e de qualificação da vida da cidade e dos cidadãos.

Parque da Cidade – Beja

Centro Cívico – Castelo Branco.
Neste particular importa responsabilizar os profissionais quanto à forma de a conceber, ou seja, "redesenhar a cidade pressupõe um domínio crítico com vários níveis de complexidade e competências disciplinares, que vão muito para além das formas, consubstanciando o domínio de todos os acontecimentos, enquadrando os espaços de vivência com as profundas leituras e apropriações intercontextuais dos lugares"3 – exigências que tornam essencial a discussão sobre a ética profissional e a abrangência (inter)disciplinar do Design, e sobre as preocupações que devem remeter para uma cultura atenta às problemáticas da diversidade do uso, da inclusão e do ambiente.
Ideia que passa pela consciencialização da crítica como atitude que, complementar à reflexão, é geradora de uma cidade em evolução, atenta às necessidades dos cidadãos e às exigências que os novos tempos colocam aos espaços de vivência colectiva.
É essa cidade crítica, que se revê nas suas virtudes e nos seus problemas, que mais conscientemente poderá estar preparada para contribuir para a renovação das sociedades, e como tal, revelar-se mais exigente relativamente às condições que suportam a sua existência no espaço físico, ou seja, "Desde una dimensión más cultural y política, (…) mito o realidad, aparece como el lugar de las oportunidades, de las iniciativas y de las liberdades individuales y colectivas; el lugar de la privacidad y de la intimidad, pêro también de la participación política, la rebelión social y el autogobierno; de la innovación y del cambio" 4.

Ponte Bar - Leiria.

Ria de Aveiro.
Programa Polis
Centrados na temática em processo de reflexão, considera-se a pertinência da abordagem ao PROGRAMA POLIS - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades, pela sua inclusão no quadro das políticas públicas em Portugal orientadas para a qualificação física e humanização das cidades que evidenciavam processos de abandono e degradação dos seus centros patrimoniais, cujos tipos de uso não eram consentâneos com a sua vocação funcional, e cujas infraestruturas técnicas e sociais não proporcionavam condições de vivência urbana aceitável – factos que desqualificavam a paisagem urbana e comprometiam o espaço público. Desta realidade constatável, o Programa Polis definiu como objectivos principais, a requalificação urbana com uma forte componente de valorização ambiental e a promoção da multifuncionalidade e da revitalização dos centros das cidades - pretensões que elegeram o património histórico e/ou natural como contexto privilegiado das intervenções tendentes a melhorar o ambiente urbano, e a proporcionar uma melhor qualidade de vida aos cidadãos.5
A actualidade do Programa Polis justifica, como tal, um olhar sobre os contextos patrimoniais, históricos e culturais, dotados de identidade própria, e sobre os quais incidiram projectos que os promovessem e (re)valorizassem nos planos físico e social, produzindo modos de vida e apropriações alternativas.

Feira de S. Mateus, Viseu; Cava de Viriato, Viseu.

Encosta do Fervença, Bragança; Jardim de Santo Agostinho, Leiria.
Complementarmente e dando sentido a esta reflexão, importa referir os processos de (re)desenho e (re)qualificação de núcleos das cidades integradas no Programa Polis, demonstrativos da participação do Design nas suas múltiplas variantes, pretendendo-se desvelar as possíveis influências desta área disciplinar na promoção de factores geradores de novas identidades, apoiadas na (re)definição material e imaterial de espaços e objectos que possam suscitar a fundação de novas urbanidades.
De um estudo em desenvolvimento no Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design, da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, e na sequência de procedimentos metodológicos associados ao processo investigativo, é possível enunciar em síntese algumas considerações preliminares acerca do cumprimento dos objectivos do Programa Polis e da participação do Design na qualificação de cidades portuguesas.
Assim, considera-se que o Programa Polis promoveu a requalificação de elementos e/ou contextos do património histórico-cultural, tendo contribuído para a revalorização ambiental e usufruição de lugares de um número expressivo de cidades portuguesas, sendo evidente o envolvimento de múltiplos agentes institucionais, públicos e privados que potenciaram o carácter multidisciplinar das intervenções, destacando-se neste âmbito a presença do Design sob múltiplas variantes, o qual concorreu para novas estéticas e funcionalidades no espaço público, factores que contribuíram para a revitalização urbana e para a melhoria da qualidade de vida através do reforço da identidade das cidades e da indução de novos usos e apropriações - inferências que vêm sublinhar o papel do Design na refundação da condição patrimonial do espaço público.
1 Bartolomeu Paiva é licenciado em Educação Visual, em Arquitectura e mestre em Supervisão. Doutorando em Design na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FAUTL). Professor adjunto na área científica de Artes Visuais do Instituto Politécnico de Coimbra e investigador no Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design da FAUTL, onde desenvolve um estudo intitulado: "DESIGN E URBANIDADE–Contributos do Programa Polis". Ainda autor e co-autor de livros e artigos científicos nas áreas da formação e educação pelas artes e pelo património, supervisão, urbanidade e design. b.paiva@esec.pt
Imagens fotográficas: Bartolomeu Paiva.
2 SCHULZ, S. Estéticas urbanas. Da Polis grega à metrópole contemporânea, LTC Editora, Rio de Janeiro 2008, p. 10.
3 DUARTE, R. O Voo da Fénix, Papapiro Editora, Lisboa 2008, p. 26.
4 BORJA, J. La ciudade conquistada, Alianza Editorial, Madrid 2003, p. 165.
|
|